XL A tarde desse dia empregou-a o reitor em casa de José das Dornas, onde, com a sua diplomacia, conseguiu evitar as dificuldades da primeira entrevista entre os dois irmãos.
Pedro, cheio de remorsos, abraçava Daniel, e este, que com mais razão os estava sentindo, a custo podia suportar essas provas de arrependimento de uma culpa imaginária.
Repugnava-lhe afectar maneiras de quem perdoa, quando força interior o impelia a ajoelhar, e a confessar-se culpado. Por mais de uma vez esteve para revelar tudo; susteve-o o olhar que o reitor, pressentindo esta tentação, nunca dele desviava.
- Mas - dizia Pedro, já em ponto adiantado da entrevista - se tu gostas da Margarida, porque não hás-de casar com ela?
- E julgas que ela consentiria? - perguntou Daniel.
- Porque não? Não te estima também? Eu julgo que bem claro to mostrou ainda ontem.
Daniel achava-se embaraçado. A observação do irmão era, na aparência, tão razoável, que ele não sabia o que havia de responder.
Valeu aqui a táctica do reitor.
- Ora que sabes tu dos outros, Pedro? - disse ele. - Tem graça! Cada um sabe de si, e é quando Deus quer, que, às vezes, nem de nós sabemos também. O melhor é falarmos em outra coisa, ou tratar cada qual da sua vida.
Daniel da melhor vontade seguiu o conselho do reitor, e a conferência terminou.
Porém, quando o padre ia a transpor o limiar da porta da rua, Daniel aproximou-se dele.
- E Margarida? - perguntou-lhe com certa ansiedade.
- Margarida? Margarida está boa.
- Falou-lhe depois que hoje nos apartámos?
- Falei.
- E persiste na sua resolução?
- Que resolução?... Na de salvar a irmã?... pois está de ver que sim.
- Não falo disso.
- Então? - perguntou o reitor, com afectada simplicidade.