XI Procedia-se com toda a actividade nos preparativos do casamento contratado.
José das Dornas não cabia em si de contente. A formatura de um dos seus filhos, e a perspectiva do vantajoso casamento do outro eram para isso motivos de sobejo.
Acrescentem agora que o ano tinha sido fértil, que o enxoframento das suas vinhas prometia excelentes resultados, e poderão julgar se tinha ou não razão o robusto lavrador para andar satisfeito e para cantar, a miúdo, a sua cantiga favorita:
Papagaio, pena verde, Não venhas ao meu jardim; Todas as penas acabam Só as minhas não têm fim.
Depois de haver superintendido em todos os aprestos que se faziam na casa, para receber o novo adepto da ciência hipocrática, José das Dornas, cedendo àquela irresistível necessidade, tão geral em todos nós, de transmitir aos outros parte das nossas alegrias, comunicando-lhes a narração delas, saiu e transportou-se à loja do Sr. João da Esquina, ponto de reunião da mais escolhida sociedade da terra.
- Ora viva o Sr. José das Dornas! passasse muito bem, é o que eu estimo - disse o merceeiro do fundo da loja, onde, em pé sobre um banco de pau, se ocupava a despendurar velas de sebo, para satisfazer a requisição de um freguês.
- Deus seja aqui - respondeu José das Dornas sentando-se familiarmente em um dos bancos, que havia por fora do mostrador.
- Muito calor, Sr. José - observou o merceeiro, adiantando-se.
- De morrer - acrescentou o lavrador, tirando o chapéu e passando o lenço pela cabeça escalvada.
- Então que se diz de novo? - perguntou o outro, pagando-se da importância do género que acabava de aviar.
- Que se há-de dizer? Que se vive, como Deus quer, e cada um pode. Os velhos, como eu, com os seus achaques. - Tal foi a resposta de José das Dornas, morto já por encontrar uma transição natural para falar do filho, sem quebra da modéstia paterna.