XVII - Contas de Carlos com a consciência Impressionado pelas ocorrências daquela noite, que lhe afugentavam o sono, Carlos ao voltar a casa encostou-se pensativo à mesa e abriu maquinalmente um livro.
Quis o acaso que fosse um volume das obras de Byron e nas Horas de Ócio. Carlos leu.
Woman! experience might have told me…
A atenção já o não acompanhou ao segundo verso. Fora fatal a primeira palavra: – Woman! – mulher! – Apoiada neste mágico substantivo, a imaginação ganhou esforço e, deixando os sentidos seguirem os versos restantes, divagou, à sua vontade, mais rápida e por mais longe do que eles.
O caminho, que estes continuaram seguindo, provavelmente poderá o leitor encontrá-lo, se quiser, na sua biblioteca; deixaremos por isso Byron em paz e iremos, como pudermos, atrás da imaginação de Carlos.
Principiou por se recordar da revelação que a um acaso devera momentos antes. Recordar, disse eu? Para com rigor me poder servir do termo, era necessário que tal descoberta lhe tivesse já, por instantes sequer, deixado livre o campo do pensamento; e teria? É lícito duvidar.
Entrou depois Carlos em tarefa mais activa, qual foi a de tentar avivar a imagem de Cecília, que apenas lhe aparecia como vaga reminiscência, e velada por uma nuvem, que ele em vão procurava dissipar.
Se o leitor já alguma vez pôs ombros a empresa destas, deve saber que desesperadoras dificuldades elas trazem quase sempre consigo. Quanto mais ardente é o desejo de recordar uma fisionomia, que ainda não temos bem gravada na memória, tanto mais parece comprazer-se um maligno espírito de impacientar-nos, alterando-lhe completamente o tipo, combinando os elementos fisionómicos mais disparatados, debuxando a capricho o perfil, colorindo mentirosamente os cabelos e a tez, assombrando com a mais grosseira infidelidade as inflexões e os relevos.