XXIII - Diplomacia do coração A educação comercial de Carlos continuou e com os mais rápidos e auspiciosos progressos. À segunda noite espantava ele Manuel Quintino, apresentando-lhe os lançamentos que pela manhã fizera e nos quais o experimentado guarda-livros nada teve que notar.
A custo pôde convencer o fogoso discípulo de que não convinha que ele próprio escrevesse nos livros gerais, onde era contra as praxes aparecer letra de mais do que um indivíduo. Bastava, dizia o velho, e já não era pequeno serviço, que Carlos o auxiliasse no expediente e deixasse tudo preparado para que, ao terminar o seu impedimento, ele, Manuel Quintino, só tivesse a transcrever no Diário e no Razão as transacções operadas durante essa época.
No fim de três ou quatro serões, Manuel Quintino já não tinha que ensinar mais ao discípulo.
Ele sabia tudo!
Terminaram pois as lições, mas não terminaram com elas as visitas de Carlos, como seria natural que acontecesse. Mudaram apenas de carácter aqueles serões.
Carlos era agora o que se encarregava da leitura das folhas, com grande mágoa de José Fortunato, que não podia encontrar na diversão metade do prazer que dela recebia, quando a leitura era feita por Cecília.
De mais a mais, Carlos divertia-se muitas vezes à custa do velho. Sabendo de Manuel Quintino que ele era possuidor de vários papéis de crédito, raro era o dia em que, no decurso da leitura, não improvisava notícias e insinuações que faziam entrever uma iminente baixa de fundos e porventura uma bancarrota.
José Fortunato declamava então contra os governos presentes, passados e futuros, com toda a acrimónia que lhe era possível.
Quando os dois velhos travavam às vezes alguma discussão acalorada, Carlos aproveitava a ocasião de entrar com Cecília em um diálogo, cuja índole era cada vez mais perigosa para o coração de ambos.