XXXVII - Como se educa a opinião pública No dia seguinte Manuel Quintino saiu cedo para o escritório.
Andou toda a manhã pensativo o guarda-livros.
Quanto mais reflectia na cena da véspera e em outras antecedentes, tanto mais confirmada lhe parecia a vaga desconfiança de que não fora inteiramente verdadeira a explicação de Mr. Richard.
Mas não lhe queria mal por ela o velho guarda-livros; antes intimamente lha agradecia. Assustava-o, porém, o estado do coração de Cecília. Seria ainda tempo de arrancar de lá aquela afeição tão louca, que por imprevidência deixara crescer?
Nisto pensava ainda Manuel Quintino, quando entrou no escritório um dos mais sisudos e abastados negociantes da Praça, e muito afavelmente o cumprimentou, dirigindo-lhe as mais lisonjeiras expressões sobre os seus relevantes serviços à casa Whitestone e aplaudindo a sagacidade com que antevira a suspensão de pagamentos de uma poderosa casa de Londres e evitara que a firma Whitestone sofresse na quebra. Manuel Quintino ficou surpreendido com o inesperado cumprimento. Ele já nem pensava naquilo, nem imaginava que Mr. Richard, único que o podia contar, o conservasse tão presente na memória.
O grande conceito em que tinha o negociante que lhe falara não deixava porém ser-lhe indiferente o louvor recebido dele.
A surpresa do velho aumentou quando a este primeiro se sucedeu outro e quando todos os que naquela manhã entravam no escritório pareciam apostados a reproduzir, com pequenas variantes, frases iguais de louvor.
A consideração que Mr. Whitestone gozava na Praça fizera com que por toda ela se espalhasse com rapidez a fama dos serviços prestados por Manuel Quintino, a quem o honrado inglês, fiel às promessas que fizera a Jenny, exaltou com uma veemência de frase e de expressão pouco habitual à sua fleuma britânica, e que por isso mesmo teve dobrado efeito.