Enquanto o mordomo dizia isto a Sancho, estava ele olhando para umas grandes e numerosas letras, que ornavam a parede defronte da sua cadeira. Como não sabia ler, perguntou o que eram as pinturas que havia naquela parede. Responderam-lhe o seguinte:
— Senhor, está ali escrito e notado o dia em que Vossa Senhoria tomou posse desta ilha, e diz assim o epitáfio: “Hoje, dia tantos de tal mês e de tal ano, tomou posse desta ilha o senhor D. Sancho Pança, que por muitos anos a goze.” — E a quem é que chamam D. Sancho Pança? — perguntou Sancho.
— A Vossa Senhoria — respondeu o mordomo — que nesta ilha nunca entrou outro Sancho Pança, a não ser o que está sentado nessa cadeira.
— Pois ficai sabendo, irmão — redarguiu Sancho — que eu não tenho Dom, nem nunca o houve em toda a minha linhagem. Chamo-me Sancho Pança, sem nada mais, e Sancho se chamou meu pai, e Sancho meu avô; todos foram Panças, sem dons nem donas, e parece-me que nesta ilha deve haver mais dons do que pedras; mas basta, que Deus bem me entende, e pode ser que, se o meu governo durar quatro dias, eu carde esses dons, que pela multidão devem enfadar tanto como os mosquitos. Venha de lá agora com a sua pergunta o senhor mordomo, que eu responderei o melhor que puder, quer se entristeça o povo, quer se não entristeça.
Neste momento entraram no tribunal dois homens: um vestido de lavrador e o outro de alfaiate, porque trazia uma tesoura na mão; e o alfaiate disse:
— Senhor governador, eu e este lavrador que aqui estamos, vimos à presença de Vossa Mercê, porque este bom homem entrou ontem na minha loja — que eu, com perdão de quem está presente, sou alfaiate examinado, graças a Deus — e pondo-me nas mãos um pedaço de pano, perguntou-me:
Senhor, este pano chega para me fazerem uma carapuça? Eu medi o pano, e respondi que sim.