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Capítulo 2: I - O enxurro

Página 22
É a habitação do Gebo, das prostitutas, do Gabiru, do Pita.

Escancara-se o portão, caem-lhe os telhados, mas se, em cima, nas mansardas arrombadas dá de chapa o sol, acreditá-la-eis a cismar, a cantar. É efectivamente de pedra e de sonho.

Chove, mas a terra árida não tem água nem plantas.

Em volta a cidade é odiosa, pedras sobre pedras, muros atrás de muros. O céu fica muito alto e só se vê das trapeiras. Há seres lá no fundo que nunca levantaram a cabeça... Andam-se léguas e a cidade não acaba, envolta em fumo cada vez mais negro e riscada de chaminés cada vez mais altas.

Só um simulacro de árvore cresceu naquele saguão infecundo. Sustenta-se de dor. As suas raízes foram minando até ao Hospital, construído em frente da casaria, para sugar a vida dos pobres. Se um raio de lua, escoado pelas nuvens, a toca – eis um fantasma de árvore todo de pó de luar...

Quedo-me sozinho nas noites estiradas, ouvindo o enxurro vivo. Muitas vezes são lágrimas que correm ou emoção que brota com o ruído dum fio de bica cheio de cintilações e rumores. O cair de lágrimas é sempre duma tristeza pacifica... Na noite negra o Hospital entaipa a cidade: árvores, noras humedecidas, montes solitários, parece que os proíbe aos desgraçados: como um velho sumidouro espera, guarda, construído de pedra e num brasido por dentro, todos os que sofrem, santos, pobres, mulheres perdidas e heróis.

O Pita, embrulhado no seu xale-manta, murmura às vezes ao contemplá-lo:

– A misericórdia humana constrói destes castelos, para que os ricos não assistam ao sofrimento dos pobres.

E fê-los de pedra, de granito bem sólido, para que se não ouçam os gritos cá fora.

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 22

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154