Qual é a razão por que a desgraça alheia consola a nossa própria desgraça, dizem-me?...
A tressuar, aflito, depois de espezinhado, ainda esse ser mole e gordo, aos quarenta anos, cria na vida como as árvores e as crianças crêem: assim no globo passam existências ignoradas de sofrimento e de bondade, que não deixam o mais simples vestígio, como os veios de água escondidos que são a vida da terra. Sempre a suar, quase sem saber gritar nem saber queixar-se, o Gebo tinha um coração ígneo.
Era casado e tinha esta felicidade: uma filha. Uma filha sempre prende a existência! uma filha pequenina sempre tem nas mãozinhas uma força!
Muito tempo mentira à mulher, que ia vivendo iludida. Ria o Gebo com o coração torcido, para que elas fossem felizes mais algumas horas – últimas horas tiradas à desgraça. Até que um dia sucumbiu:
– Eu não te queria dizer... Mas ó mulher! O mulher!...
– Que é? Que foi?
– Estamos perdidos, estamos perdidos...
– Perdidos?!
– Sim, estamos... E agora? Agora? Ninguém me vale, ninguém se importa. Tenho pedido, tenho andado...
e já não posso! Estamos perdidos, mulher!...
– Estamos perdidos?
– Sim...
– Tu é que tens a culpa, não tens mesmo finura nenhuma. Riem-se de ti. Todos te enganam e ainda por cima se riem de ti. Anda, vai!... Tu que queres? Que há-de ser de mim e da pequena? Nós temos culpa das tuas tolices, das tuas desgraças?...
– Não, mulher, não, bem sei...
– Anda!
E ele voltava, todo o dia corria esbaforido, até que uma noite a mulher viu-o entrar, sem chapéu, enlameado, exausto – e de cabelos brancos estacados. A ingratidão embranquecera-o. Era ao crepúsculo. Tombado, como uma bola de gordura, tremia abalado pela dor, monologando baixinho:
– Oh a minha filhinha!.