.. Nuns o olhar é directo, os outros mal se atrevem a fitar-nos: têm medo. Aquela boca é imperiosa e habituada a mandar; estes nem sabem falar senão quando estão sozinhos, em monólogos pueris que só acabam no túmulo, em monólogos infindáveis de dor, de isolamento, de desgraça. Até pelas mãos se distinguem – pelas mãos fortes e grossas – pelas mãos magras e exangues.
Há pobres duma decência que faz frio, de pessoas que querem manter certa aparência, e têm fome aos setenta anos, há-os infantis, há-os que se põem a olhar para a gente com a boca a tremer, como se pedissem desculpa do seu sonho e da sua humildade. Os ricos ocupam um lugar definitivo e inabalável na existência; os pobres fazem-se mais pequenos para não ocuparem lugar.
É o momento da vida em que já não se espera e está tudo julgado, tanto para os que passam nos autos, reluzentes como ídolos, como para os que se escoam pelas paredes com um embrulho debaixo do braço. Todos caminham para a morte, altivos e quase desumanos diante da eternidade, ou resignados gemendo baixinho, como quem cumpriu a vida e aceita a dor.
Heis-de tê-lo encontrado, esse velho de cabelos brancos estacados, aos empurrões na vida e com um ar de aflição que faz riso e piedade.
– Ó Gebo!
– Anh?
– Conta!
E ele logo, em palavras rotas, precipitadas, bebendo as lágrimas:
– O Senhor!... Tanto tenho andado e tanto tenho sofrido! Quanto mais faço, pior, inda é pior... E já não posso mais... Acabou-se! Só Deus sabe pelo que tenho passado, as desgraças que tenho rapado e as aflições, para arranjar ao menos o triste pedaço de pão para a boca... O pior é delas.
O meu coração estala, tanto tenho sofrido. Trago a noite cá dentro. Que se lhe há-de fazer? Curtir a desgraça. Anh? Tenho pena de ter sido honrado.