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Capítulo 5: IV - O Gabiru

Página 36
Nunca me pude habituar a olhar a natureza cara a cara. Isto!

que significação tem isto? E um sonho, um grito de beleza, uma alma? Montes verdes e etéreos lá ao longe, constelações infinitas, névoa que do mar nasce e sobre o mar vai, como um portentoso rolo, como um giganteu fantasma...

E não adquiro o hábito. Todas as manhãs é como se pela vez primeira me achasse diante da monstruosa natura – verde, oiro, azul, com os seus rios, florestas, o mar a bramir e árvores que são seres, vida que pressinto extraordinária e que nunca vi ao pé!... Por isso, sobretudo nestes dias de inverno, em que anda uma prodigiosa voz de Adamastor a pregar à terra e às coisas dilaceradas, eu me ponho, escondido e só, a discutir o enigma...

Devo, porém, notá-lo: eu sou uma criatura singular.

Há até quem me suponha doido. Todos os que são apenas restos de sonhos vivos e despedaçados como eu, têm este feitio encolhido e transido. A esta hora da noite em que o universo parece desabitado e em que até o rumor da pena no papel me faz medo, fecho-me sobre mim mesmo e escuto-me: alguma coisa, que não sou eu próprio, se põe então a murmurar baixinho. E eis-me perdido no canto duma negra trapeira, encolhido e esguio, a sonhar em quê? Naquele universo verde e ígneo que está para lá das pedras...

Desabituei-me de falar, mas sonho. Há vozes esplêndidas dentro em mim; de mim brotam árvores, estátuas mutiladas, pedaços vivos de sonho. Oh eu creio que cada criatura é um composto de almas de montes, de pedras, de águas, e creio também que existe uma misteriosa ligação entre o homem e os mundos. Estou preso às estrelas, àquela confusão de tintas e murmúrios e aos cardos humildes.

Dizem rindo se passo encolhido e esguio:

– Lá vai o Gabiru!

Deixá-lo dizer! Eu sou mais feliz do que os que riem, e antes quero conviver com os desgraçados do que com os outros.

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pág. 36 (Capítulo 5)

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Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 36

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154