Nunca me pude habituar a olhar a natureza cara a cara. Isto!
que significação tem isto? E um sonho, um grito de beleza, uma alma? Montes verdes e etéreos lá ao longe, constelações infinitas, névoa que do mar nasce e sobre o mar vai, como um portentoso rolo, como um giganteu fantasma...
E não adquiro o hábito. Todas as manhãs é como se pela vez primeira me achasse diante da monstruosa natura – verde, oiro, azul, com os seus rios, florestas, o mar a bramir e árvores que são seres, vida que pressinto extraordinária e que nunca vi ao pé!... Por isso, sobretudo nestes dias de inverno, em que anda uma prodigiosa voz de Adamastor a pregar à terra e às coisas dilaceradas, eu me ponho, escondido e só, a discutir o enigma...
Devo, porém, notá-lo: eu sou uma criatura singular.
Há até quem me suponha doido. Todos os que são apenas restos de sonhos vivos e despedaçados como eu, têm este feitio encolhido e transido. A esta hora da noite em que o universo parece desabitado e em que até o rumor da pena no papel me faz medo, fecho-me sobre mim mesmo e escuto-me: alguma coisa, que não sou eu próprio, se põe então a murmurar baixinho. E eis-me perdido no canto duma negra trapeira, encolhido e esguio, a sonhar em quê? Naquele universo verde e ígneo que está para lá das pedras...
Desabituei-me de falar, mas sonho. Há vozes esplêndidas dentro em mim; de mim brotam árvores, estátuas mutiladas, pedaços vivos de sonho. Oh eu creio que cada criatura é um composto de almas de montes, de pedras, de águas, e creio também que existe uma misteriosa ligação entre o homem e os mundos. Estou preso às estrelas, àquela confusão de tintas e murmúrios e aos cardos humildes.
Dizem rindo se passo encolhido e esguio:
– Lá vai o Gabiru!
Deixá-lo dizer! Eu sou mais feliz do que os que riem, e antes quero conviver com os desgraçados do que com os outros.