VI - Filosofia do Gabiru! É que tu acreditas na imortalidade da alma? Bem fundo, bem arreigado?
Tenho horas em que creio: é uma esperança, um raio de luz entrando num túmulo vazio pela junta abalada duma pedra. Porque crer? porque não crer? Teorias, palavras... No íntimo, porém, sou materialista como toda a gente. Dormir na terra funda e gorda é bom – dormir para sempre. Ir ser árvore, luz, detrito, correr nas veias da terra, e quase consolador – excelente sono sem sonhos, depois da lide canseirosa dum dia.
Na primavera quase sempre sou materialista, no inverno idealista e com a mesma sinceridade, quase com ferocidade.
Ser só, sem amigos, sem apertos de mão, sem conhecidos, ser só e livre, que sonho!...
Ser só por cobardia, para não ter este aguilhão da vaidade a espicaçar-me: – Então tu não fazes, e este, aquele, o diabo, fizeram! – Ser só para sonhar e para ver este espetáculo único – a natureza; para passar os meus dias vendo as transformações duma daquelas árvores que daqui contemplo!...
Quando me fecho e estou só, sou tão diferente!...
Como o homem é desconhecido até de si próprio, porque o tempo passa, vem a morte e ele não esteve sozinho! Se estou só vêm falar-me vozes – eu mesmo – mas com que palavras únicas! Os seres de que sou composto, se me habituo à solidão, nos primeiros tempos balbuciam, mas depois falam! pregam!...
Tenho a certeza de que fui árvore e é por isso que tanto as amo.
Há livros que falam baixinho, há livros que falam alto. Uns têm por si o encanto, outros a força. Às vezes as palavras murmuradas impressionam mais: passado tempo ainda elas acordam em nós fibras adormecidas.
Porque é que a água, até o mais humilde charco, atrai e faz sonhar os homens contemplativos?
Quanto mais desprezo o homem, mais amo a natureza.