– Tu?
– Sim.
– A mim minha mãe é que era a capa. Encobria-me.
E ninguém se importa com o Gabiru, que tece, vai tecendo a sua teia, toda de emoção e de nuvens, encolhido a um canto, absorto, sem ver nem ouvir:
– «Não sei bem o que sinto, que nunca me vi assim.
Do meu coração sai uma bica que rega as coisas mais secas. E ouço! o que ouço!... Ao luar, lá em cima, ouço as montanhas em diálogo e falarem árvores e pedras!...
E a tísica, voltada para o ladrão, diz-lhe:
– Que queres mais que te eu dê?
E ele, rindo:
– Ora! dinheiro...
– Nem pra pão já o tenho, quanto mais!... Já o não ganho. Quem me quer, se todos dizem que estou tísica?
Estarei...
– Tu arranjas sempre.
– Aonde? os meus trapos estão no prego, este xale é emprestado por misericórdia. O lenço que ontem trazia, vendi-o pra pagar à patroa. E amanhã entro para o Hospital.
Ele lentamente ergue-se para sair. Quase à porta murmura:
– Bem sei onde ir buscá-lo.
Magra, desconjuntada, a tossir, a tísica exclama:
– Pois vai! vai!... Se outras te dão mais, vai!...
Deixa-me!...
– Pois vou...
E logo ela, arrependida, torna:
– Espera. Dei-te tudo. Escuta... Tens sido como quê? com um filho meu... – E para as outras com um amargo sorriso: – Ó raparigas, quem há aí que me empreste algum dinheiro pelas almas?
Uma abaixa-se. De entre a meia e o sapato tira uma moeda, e a tísica, estendendo a mão:
– Já a não ganho com o meu corpo.
E beija as cruzes ao dinheiro.
– Toma.
Dá-lha e baixinho pede-lhe:
– Antes de eu morrer, prometes que me vais ver ao Hospital? Todos dizem que estou tísica. Não é por nada, mas vai-me custar morrer, sem ver ninguém ao pé de mim... Quem hei-de eu ver? Agora olha como te portas sozinho, ouviste? Inda te levam para o chilindró.