Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 10: IX - Filosofia do Gabiru

Página 64
..

O momento é único: vai perder-se amanhã. Séculos de canseira para terem num minuto a consciência do universo; séculos de sonho tremeluzindo no fundo da obscuridade, para não virem afinal à luz, séculos de amargura, de esforços, de tentativas abortadas – para não chegares afinal a viver. É como ir a uma árvore e arrancar-lhe toda a flor...

Mas olha: tudo é feliz em torno de ti, porque tudo cumpre o seu destino. Cumpre tu o teu. Tudo é harmónico, porque vive da verdadeira vida: as plantas crescem sem que as outras lhes imponham regras, os animais, a natureza inteira, não têm remorsos nem dúvidas. Nem tu as terás, se viveres de tua verdadeira vida e não de outra.

A tua educação deve consistir nisto: em fazer falar o universo que trazes contigo, com a sua voz.

Arreda, mata, calca tudo o que te contrariar nisto.

Sabes acaso daqui a quantos séculos tornarás a ter consciência? E que forças perdidas, que lutas não vão ser necessárias?... Quantos gritos!...

Goza tudo: a desgraça, a fome, a terra, o sol, o riso, porque nunca voltarás a sentir senão numa infinidade de séculos. Impregna-te de vida, do teu largo quinhão de vida, para que às portas do Nada possas dizer:

– Vivi!...

Estão em primeiro lugar os deveres para contigo do que os deveres para com os outros.

Deves amar os rios, porque já foste rio; os montes porque andaste nas suas entranhas; a nuvem tua irmã; a árvore onde correste em seiva – e o homem porque és o homem.

Se te não deixam ser o que deves ser – resiste.

Mais vale morrer do que não lutar. Morrendo, triunfarás porque cumpriste o teu destino.

Tu és feito de húmus, tu és feito de terra. Se ela te deu boca, para que foi? Para que falasses. Com que fim cria tantas bocas? Para que ao fim de mil tentativas se digam as palavras necessárias.

<< Página Anterior

pág. 64 (Capítulo 10)

Página Seguinte >>

Capa do livro Os Pobres
Páginas: 158
Página atual: 64

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
Carta-Prefácio 1
I - O enxurro 18
II - O Gebo 23
III - As mulheres 28
IV - O Gabiru 35
V - História do Gebo 42
VI - Filosofia do Gabiru! 49
VII - Primavera 52
VIII - Memórias de Luísa 59
IX - Filosofia do Gabiru 63
X - História do Gebo 67
XI - Luísa e o morto 73
XII - Filosofia do Gabiru 77
XIII - Essa rapariguinha 81
XIV - O escárnio 87
XV – Fala 94
XVI - O que é a vida? 97
XVII - História do Gebo 109
XVIII - O Gabiru treslê 114
XIX - A Mouca 118
XX - A outra primavera 121
XXI - A Morte 126
XXII - A filosofia do Gabiru 130
XXIII - A Árvore 134
XXIV - O ladrão e a filha 139
XXV - Natal dos pobres 143
XXI - Aí têm os senhores a natureza! 154