A princípio os ângulos não aparecem ou disfarçam-se.
Depois começamos a ser duros.
Creio que só há amigos até aos vinte anos, quando ainda se não pensa na vida. Depois endurece-se. Raros são os homens que através da vida a sério e dos interesses conservam ainda amigos.
Para ficarmos amigos, tenho ou de me submeter ou de te submeter.
Não, a morte não destrói a essência da vida, mas, desorganizando uma forma, destrói a consciência dessa forma, que é formada de milhares de consciências...
A acção do que se chama espírito sobre a minha matéria produz o meu eu, com os seus erros, sonhos, desesperos, ódios. A mesma força, tira harmonias diferentes duma arpa ou dum órgão. O que resta, pois?
A essência da vida?
A predominância de certas moléculas produz o sonhador; a predominância de outras o herói, etc... Eis a futura química.
Não se trata de ser feliz ou desgraçado, mas de se cumprir o destino para que se nasceu.
Que ideia tão falsa a de se supor que a vida tem um fim – a felicidade ou a desgraça! Não é isto subordinar o universo ao homem?
Se a vida tem um fim – é viver. Viver, deixar que cumpramos o fim para que fomos nascidos. Isto é lógico, inevitável, maior, decerto, do que o que supomos, mais belo, mas cedo ainda para se entrever.
O homem é uma fonte onde a vida corre límpida ou turva, num fio que a emoção torna de oiro num jacto negro de cólera. Eu ouço assim correr a minha existência...
Um dia a fonte seca-se.
A terra há-de sempre criar os seus tipos, quer os homens queiram quer não. O homem não é senão a essência do universo e nasce para que tudo tenha boca.
Podemos tentar abafar isto, por diques, retardar a torrente, mas um dia o largo rio da vida e do destino irrompe.
Não, não é justo que a gente morra de súbito sem protesto, sem palavras, sem gritos, com os seus erros, as suas ambições, os seus sonhos.