No entanto o remorso acorda, o remorso põe-se a rugir... Vejo a mulher gorda e vesga dar-lhe dinheiro; vejo-a depois partir através das ruas, encharcada até aos ossos, sem perceber porque foi vilipendiada, enganada e expulsa... Vai gritar? De que servem os gritos na terra, não me dirão?
Para quem há-de ela apelar no mundo? E não entende. Descalça caminha pelas ruas desertas à chuva; pela vida aspérrima ao abandono. Vem depois outro e engana-a, mente-lhe. Para que servem os gritos na terra?
Tem de sofrer e de se resignar à brutalidade, ao escárnio, aos risos; tem de se afazer a ser explorada, à mentira, à infâmia... E assim caminha, ensopada de lágrimas, afundada na desgraça pelos que passam e riem; assim vai pela vida fora até onde?... Até onde?
Oh aquela brasa que ainda reluz como uma poeirinha de oiro, aquela brasa que vai morrer no lar quase de todo apagado!... A lufada doida passa lá fora aos gritos! Quanta gente grita neste vale de lágrimas!
Imensa legião de pobres formando um só corpo em carne viva, desordenado rio de dor que une a terra a Deus! A esta mesma hora quantos berram espezinhados, sem mão que os ampare? De que servem os gritos, não me dirão?...
Aquela réstia de lume é como o último fio de uma alma que vai findar!...
E ela aí volta, aí torna! Pobre corpo murcho, nascido para o sofrimento, já dorido da vida, vestido duma sainha e dum sorriso resignado de quem já pressente o que a espera – quantos gritos! quantas lágrimas pela existência fora!...
Cerrou-se de todo a escuridão. Sufoco!...