- Não, não é isso - disse-lhe um dos dois companheiros. - Queríamos saber se amais ternamente o rei dos Búlgaros.
- Com certeza que não - disse Cândido -, porque nunca o vi.
- Oh, mas como pode isso ser! É o mais encantador dos reis, e é preciso beber à sua saúde.
- Da melhor vontade, meus senhores. - E bebeu.
- Isso nos basta - disseram-lhe - para serdes o apoio, o sustentáculo, o defensor e o herói dos Búlgaros. A vossa fortuna está feita e tendes assegurada a glória.
E imediatamente lhe lançaram os grilhões, levando-o para o regimento. Fizeram-no voltar à direita, à esquerda, alçar e baixar armas, deitar no chão, atirar, marcar passo, e deram-lhe trinta açoites. No dia seguinte fez o exercício um pouco menos mal, e apanhou apenas vinte açoites. No terceiro dia só apanhou dez, e foi considerado pelos camaradas como um prodígio.
Cândido, estupefacto, não conseguia ainda compreender muito bem como é que se tornara um herói. Num belo dia de Primavera lembrou-se de passear, caminhando sempre em frente, convencido de que era um privilégio da espécie humana, bem como dos animais, poder servir-se das pernas a seu prazer. Não tinha andado ainda duas léguas quando foi apanhado por quatro outros heróis, que o prenderam e o levaram para o calabouço. Perguntaram-lhe juridicamente que é que preferia: se ser fustigado trinta e seis vezes por todo o regimento, se receber ao mesmo tempo doze balas de chumbo na cabeça. Por mais que dissesse que a vontade é livre e que não queria uma nem outra daquelas alternativas, teve de escolher. Decidiu-se assim, em virtude do dom de Deus que se chama liberdade, a passar trinta e seis vezes pelas varas; ainda suportou duas voltas.