momentos de bom humor, afaga o seu cão... Mas qual! o destino de Bertoleza fazia-se cada vez mais estrito e mais sombrio; pouco a pouco deixara totalmente de ser a amante do vendeiro, para ficar sendo só uma sua escrava. Como sempre, era a primeira a erguer-se e a ultima a deitar-se; de manhã escamando peixe, à noite vendendo-o à porta, para descansar da trabalheira grossa das horas de sol; sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham à luz. Afinal, convencendo-se de que ela, sem ter ainda morrido, já não vivia para ninguém, nem tampouco para si, desabou num fundo entorpecimento apático, estagnado como um charco podre que causa nojo. Fizera-se áspera, desconfiada, sobrolho carrancudo, uma linha dura de um canto ao outro da boca. E durante dias inteiros, sem interromper o serviço, que ela fazia agora automaticamente, por um hábito de muitos anos, gesticulava e mexia com os lábios, monologando sem pronunciar as palavras. Parecia indiferente a tudo, a tudo que a cercava.
Não obstante, certo dia em que João Romão conversou muito com Botelho, as lágrimas saltaram dos olhos da infeliz, e ela teve de abandonar a obrigação, porque o pranto e os soluços não lhe deixavam fazer nada.
Botelho havia dito ao vendeiro:
— Faça o pedido! É ocasião.
— Hein?
— Pode pedir a mão da pequena. Está tudo pronto!
— O Barão dá-ma?
— Dá.
— Tem certeza disso?
— Ora! se não tivesse não lho diria deste modo!
— Ele prometeu?
— Falei-lhe; fiz-lhe o pedido em seu nome. Disse que estava autorizado por você. Fiz mal?
— Mal? Fez muito bem. Creio até que não é preciso mais nada!
— Não, se o Miranda não vier logo ao seu encontro é bom você lhe falar, compreende?
— Ou escrever.
— Também!
— E a menina?
— Respondo por ela. Você não tem continuado a receber as flores?
— Tenho.
— Pois então não deixe pelo seu lado de ir mandando também as suas e faça o que lhe disse.