A essas horas Piedade de Jesus ainda esperava pelo marido.
Ouvira, assentada impaciente à porta de sua casa, darem oito horas, oito e meia; nove, nove e meia. "Que teria acontecido, Mãe Santíssima?... Pois o homem ainda não estava pronto de todo e punha-se ao fresco, mal engolira o jantar, para demorar-se daquele modo?... Ele que nunca fora capaz de semelhantes tonteiras!..."
— Dez horas! Valha-me Nosso Senhor Jesus Cristo!
Foi até o portão da estalagem, perguntou a conhecidos que passavam se tinham visto Jerônimo; ninguém dava noticias dele. Saiu, correu à esquina da rua; um silêncio de cansaço bocejava naquele resto de domingo; às dez e meia recolheu-se sobressaltada, com o coração a sair-lhe pela garganta, o ouvido alerta, para que ela acudisse ao primeiro toque na porta; deitou-se sem tirar a saia, nem apagar de todo o candeeiro. A ceia frugal de leite fervido e queijo assado com açúcar e manteiga ficou intacta sobre a mesa.
Não conseguiu dormir: trabalhava-lhe a cabeça, afastando para longe o sono. Começou a imaginar perigos, rolos, em que o seu homem recebia novas navalhadas; Firmo figurava em todas as cenas do delírio; em todas elas havia sangue. Afinal, quando, depois de muito virar de um para outro lado do colchão, a infeliz ia caindo em modorra, o mais leve rumor lá fora a fazia erguer-se de pulo e correr à rótula da janela. Mas não era o cavouqueiro, da primeira, nem da segunda, nem de nenhuma das vezes.
Quando principiou a chover, Piedade ficou ainda mais aflita; na sua sobreexcitação afigurava-se-lhe agora que o marido estava sobre as águas do mar, embarcado, entregue unicamente à proteção da Virgem, em meio de um temporal medonho. Ajoelhou-se defronte do oratório e rezou com a voz emaranhada por uma agonia sufocadora. A cada trovão redobrava o seu sobressalto. E ela, de joelhos, os olhos fitos na imagem de Nossa Senhora, sem consciência do tempo que corria, arfava soluçando. De repente, ergueu-se, muito admirada de se ver sozinha, como se só naquele instante dera pela falta do marido a seu lado.