Parte do problema reside nos termos «novela» e «romance». A palavra «novela» não se tornou de uso corrente, como a compreendemos hoje, até ao fim do século XVIII, e nessa altura muitos novelistas desprezavam a palavra «romance» e o género romântico. Richardson evitou deliberadamente o que chamou «a pompa e exibição do género romântico», assim como «o improvável e maravilhoso, em que as novelas em geral abundam». Mesmo assim, ficou tão impressionado com uma das maiores novelas isabelinas, a Arcádia, de Sir Philip Sidney, que provavelmente chamou Pamela ao seu livro por causa de uma princesa existente naquela história. Porém, no conjunto, Richardson baseou a sua ficção, não no romanesco, mas na realidade profundamente sentida da sua época e nas virtudes da classe média (a novela era um género essencialmente aristocrático). Procedendo assim, permitiu que o romance fosse o espelho proverbial da natureza – a verdadeira natureza humana – em vez de uma mera fantasia sobre uma terra que nunca existiu, cheia de fidalgos e fidalgas, ninfas e pastores, restos de um passado nebuloso e verdadeiramente inacreditável. Talvez fosse ele o primeiro a ver que a imaginação podia ser aplicada à vida contemporânea, que os incidentes podiam ser inventados sem parecerem irreais. Mas não são as novelas de Cervantes e Dafoe igualmente baseadas na vida de todos os dias que esses autores presenciaram em seu redor? Não é a própria natureza do conflito entre a ilusão e a realidade o tema central de Cervantes? O Dom Quixote enraíza-se no solo de Espanha, Moll Flanders nas desordeiras ruas de Londres. Talvez se possa dizer que Dom Quixote, na sua fixação no passado remoto e romântico do cavaleiro errante, pode representar ele próprio os autores de ficção anteriores, e que o seu companheiro positivo e terra-a-terra, Sancho Pança, é uma previsão da atitude característica do romancista a partir, aproximadamente, de meados do século XVIII. |