Corria um belo tempo; a vegetação reanimada por moderadas chuvas ostentava-se fresca, viçosa e luxuriante; a água do rio ainda não turvada pelas grandes enchentes, rolando com majestosa lentidão, refletia em toda a pureza os esplêndidos coloridos do horizonte, e o nítido verdor das selvosas ribanceiras. As aves, dando repouso às asas fatigadas do contínuo voejar pelos pomares, prados e balsedos vizinhos, começavam a preludiar seus cantos vespertinos.
O clarão do Sol poente por tal sorte abraseava as vidraças do edifício, que esse parecia estar sendo devorado pelas chamas de um incêndio interior. Entretanto, quer no interior, quer em redor, reinava fundo silêncio, e perfeita tranquilidade. Bois truculentos, e médias novilhas deitadas pelo gramal, ruminavam tranquilamente à sombra de altos troncos. As aves domésticas grazinavam em tomo da casa, balavam as ovelhas, e mugiam algumas vacas, que vinham por si mesmas procurando os currais; mas não se ouvia, nem se divisava voz nem figura humana. Parecia que ali não se achava morador algum. Somente as vidraças arregaçadas de um grande salão da frente e os batentes da porta da entrada, abertos de par em par, denunciavam que nem todos os habitantes daquela suntuosa propriedade se achavam ausentes.
A favor desse quase silêncio harmonioso da natureza ouvia-se distintamente o arpejo de um piano casando-se a uma voz de mulher, voz melodiosa, suave, apaixonada, e do timbre o mais puro e fresco que se pode imaginar.
Posto que um tanto abafado, o canto tinha uma vibração sonora, ampla e volumosa, que revelava excelente e vigorosa organização vocal.