A Carta Roubada - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 19 / 19

Neste caso ajo em partidário da senhora em causa. Durante dezoito meses o ministro teve-a em seu poder. Agora é ela que o domina, pois ele ignora que já não possui a carta e vai querer continuar a sua chantagem habitual. Isto levá-lo-á inevitavelmente à destruição política. A sua queda será tão rápida quanto ridícula. É muito fácil falar na focilis descensus Averni; mas em matéria de ascensões pode dizer-se o que a Catalani dizia do canto, que é mais fácil subir que descer. Neste caso não tenho qualquer simpatia, nem piedade, por aquele que desce. É o tal monstrum horrendum, o homem de génio sem princípios. Confesso, contudo, que gostaria de conhecer o carácter exacto dos seus pensamentos quando, desafiado por àquela e que o prefeito chama «uma certa personalidade», se vir obrigado a abrir a carta que lhe deixei.

- Como? Escreveste alguma coisa de especial?

- Bom, não me pareceu lá muito certo deixar o interior em branco, seria insultuoso. D... uma vez em Viena pregou-me uma partida e eu disse-lhe na altura, bem disposto, que nunca me havia de esquecer. Assim, como sabia que ele havia de sentir uma certa curiosidade quanto à identidade da pessoa que o conseguira enganar, achei que era pena não lhe deixar uma pista. Ele conhece bem a minha letra e eu copiei no centro da página branca as palavras:

... Un dessein si funeste

S'il n'est digne d'Atrée, est digne de Thyeste¹,

São tiradas do Atrée de Crébillon.

FIM

¹: Um desígnio tão funesto / Se não é digno de Atreu, é digno de Tieste. Refere-se à vingança do rei Atreu de Micenas contra o irmão Tieste; este seduzira a mulher de Atreu e o rei vingou-se matando os filhos do irmão e servindo-lhos à mesa durante um banquete.