A Origem da Tragédia - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 77 / 164

Verificando esta relação, entendemos a inclinação apaixonada que os poetas da nova comédia sentiam para com Eurípides, de modo a não estranharmos o desejo de Filemone, que se deixaria enforcar imediatamente, somente para poder visitar Eurípides no Hades, se estivesse convencido de que o falecido ainda tinha o uso da razão.

Querendo-se, porém, indicar rapidamente e sem pretensões de revelar algo que esgote a questão, aquilo que tem Eurípides em comum com Menandro e Filemone e que àqueles fez efeito tão espantosamente exemplar, então é suficiente dizer que o espectador foi, por Eurípides, levado ao palco. Aquele que reconheceu qual a matéria com que formavam os trágicos prometeicos anteriores a Eurípides os seus heróis, e quanto deles estava afastada a intenção de levar ao palco a máscara fiel da verdade, este também estará esclarecido sobre a tendência totalmente divergente de Eurípides. O homem vulgar subiu com ele, da plateia à cena; o espelho, em que antigamente só se expressavam as grandes e audazes feições, mostrava agora aquela fidelidade escrupulosa, que reproduz também as linhas malogradas da Natureza. Ulisses, o heleno típico da arte mais antiga, decaiu agora, sob as mãos dos poetas mais recentes, à figura de Gréculo que, a partir deste momento, como escravo doméstico bondoso e manhoso, está no ponto central do interesse dramático. Aquilo que Eurípides se atribui, como sendo seu mérito, em “AS RÃS” de Aristófanes, que libertou, por seus remédios caseiros, a arte trágica de sua pomposa corpulência, sente-se principalmente em seus heróis trágicos. Em essência o que via e ouvia agora o espectador, no palco euripidéico, era o seu sósia, e o mesmo espectador alegrava-se por este saber falar tão bem.





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