Com esta nova é que Piedade não contava. Ficou lívida; um pavoroso pressentimento varou-lhe o espírito como um raio. Afastou-se logo, com medo de falar, e foi trêmula e ofegante que abriu a porta e meteu-se no número 35.
Atirou-se a uma cadeira. Estava morta de cansaço; não tinha comido nada esse dia e não sentia fome; a cabeça andava-lhe à roda, as pernas pareciam-lhe de chumbo.
Seria ele?!... interrogou a si própria.
E os raciocínios começaram a surdir-lhe em massa, ensarilhados, atropelando-lhe a razão. Não conseguia coordená-los; entre todas uma ideia insubordinava-se com mais teima, a perturbar as outras, ficando superior, como uma carta maior que o resto do baralho: "Se ele matou o Firmo, dormiu na estalagem e não veio ter comigo, é porque então deixou-me de feita pela Rita!"
Tentou fugir a semelhante hipótese; repeliu-a indignada. Não! não era possível que o Jerônimo, seu marido de tanto tempo, o pai de sua filha, um homem a quem ela nunca dera razão de queixa e a quem sempre respeitara e quisera com o mesmo carinho e com a mesma dedicação, a abandonasse de um momento para outro; e por quem?! por uma não-sei-que-diga! um diabo de uma mulata assanhada, que tão depressa era de Pedro como de Paulo! uma sirigaita, que vivia mais para a folia do que para o trabalho! uma peste, que... Não! Qual! Era lá possível?! Mas então por que ele não viera?... por que não vinha?... por que não dava noticias suas?... por que fora pela manhã à Ordem buscar a caixa da roupa?...
O Roberto Papa-Defuntos dissera-lhe que o encontrara às duas da tarde ali perto, ao dobrar da Rua Bambina, e que até pararam um instante para conversar. Com mais alguns passos chegado à casa! Seria possível, santos do céu! que o seu homem estivesse disposto a nunca mais tornar para junto dela?
Nisto entrou a outra, acompanhada por um pequeno descalço. Vinha satisfeita; estivera com Jerônimo,