- “Julgas, portanto, que te minto!...”
- “Não julgo, não. Se mentes a alguém é a ti próprio: bem vês que não te creio.. Tempo perdido! Anda, vem comigo, senão...”
- “Senão... O quê?”
- “Senão... Olha.”
E a melindrosa desconhecida largou-lhe o braço com delicadeza, e retirara-se, apertando-lhe a mão.
Carlos, sinceramente comovido, apertou aquela mão, com o frenesi apaixonado de um homem que quer suster a fuga da mulher por quem se mataria.
- “Não,” - exclamou ele com entusiasmo - “não me fujas, porque me levas a esperança mais bela que o meu coração concebeu. Deixa-me adorar-te, sem te conhecer!... Não levantes nunca esse véu... Mais deixa-me ver a face da tua alma, que deve ser a realidade de um sonho de vinte e sete anos...”
- “Estás dramático, meu poeta! Eu sinto realmente a minha pobreza de palavras garrafais... Queria ser uma vestal de estilo fervente para sustentar o fogo sagrado do diálogo... O monólogo dever cansar-te, e a tragédia desde Sófocles até nós não pode dispensar uma segunda pessoa...”
- “És um prodígio...”
- “De literatura grega, não é verdade? Inda sei muitas outras coisas da Grécia. A Lais também era muito versada, e repetia as rapsódias gregas com um garbo sublime; mas a Lais era... Sabes tu o que ela era?... E serei eu o mesmo? Já vês que a literatura não é sintoma de virtudes dignas da tua afeição...”
Tinham chegado ao camarote na segunda ordem. O dominó-veludo bateu, e a porta foi, como devia ser, aberta.
A família que ocupava o camarote compunha-se de muitas pessoas, sem tipo, vulgaríssimas, e prosaicas de mais para captarem a atenção de um leitor avesso a trivialidades.