O Cortiço - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 144 / 239

pés que os deprimiam e as implacáveis mãos que os estrangulavam.

— Ah! homens! homens!... sussurrou ela de envolta com um suspiro.

E pegou de novo na costura, deixando que o pensamento vadiasse à solta, enquanto os dedos iam maquinalmente pregando as rendas naquela almofada, em que a sua cabeça teria de repousar para receber o primeiro beijo genital.

Num só lance de vista, como quem apanha uma esfera entre as pontas de um compasso, mediu com as antenas da sua perspicácia mulheril toda aquela esterqueira, onde ela, depois de se arrastar por muito tempo como larva, um belo dia acordou borboleta à luz do sol. E sentiu diante dos olhos aquela massa informe de machos e fêmeas, a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-se uns aos outros. E viu o Firmo e o Jerônimo atassalharem-se, como dois cães que disputam uma cadela da rua; e viu o Miranda, li defronte, subalterno ao lado da esposa infiel, que se divertia a fazê-lo dançar a seus pés seguro pelos chifres; e viu o Domingos, que fora da venda, furtando horas ao sono, depois de um trabalho de barro, e perdendo o seu emprego e as economias ajuntadas com sacrifício, para ter um instante de luxúria entre as pernas de uma desgraçadinha irresponsável e tola; e tornou a ver o Bruno a soluçar pela mulher; e outros ferreiros e hortelões, e cavouqueiros, e trabalhadores de toda a espécie, um exército de bestas sensuais, cujos segredos ela possuía, cujas íntimas correspondências escrevera dia a dia, cujos corações conhecia como as palmas das mãos, porque a sua escrivaninha era um pequeno confessionário, onde toda a salsugem e todas as fezes daquela praia de despejo foram arremessadas espumantes de dor e aljofradas de lágrimas.

E na sua alma enfermiça e aleijada, no seu espírito rebelde de flor mimosa e peregrina criada num monturo, violeta infeliz, que um estrume forte demais para ela atrofiara, a moça pressentiu bem claro que nunca daria de si ao marido que ia ter uma companheira amiga, leal e dedicada; pressentiu que nunca o respeitaria sinceramente como a um ser superior por quem damos a vida; que nunca





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