A Escrava Isaura - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 118 / 185

- Bem se vê, - continuou ele concluída a leitura, - que os sinais combinam perfeitamente, e só um cego não verá naquela senhora a escrava do anúncio. Mas para tirar toda a dúvida, só resta examinar se ela tem o tal sinal de queimadura acima do seio, e é coisa que desde já se pode averiguar com licença da senhora.

Dizendo isto, Martinho com impudente desembaraço se encaminhava para Isaura.

- Alto lá, vil esbirro!... - bradou Álvaro com força, e agarrando o Martinho pelo braço, o arrojou para longe de Isaura, e o teria lançado em terra, se ele não fosse esbarrar de encontro ao grupo, que cada vez mais se apertava em torno deles. - Alto lá! nem tanto desembaraço! escrava, ou não, tu não lhe deitarás as mãos imundas.

Aniquilada de dor e de vergonha, Isaura erguendo enfim o rosto, que até ali tivera sempre debruçado e escondido sobre o seio de seu pai, voltou-se para os circunstantes, e ajuntando as mãos convulsas no gesto da mais violenta agitação:

- Não é preciso que me toquem, - exclamou com voz angustiada. - Meus senhores, e senhoras, perdão! cometi uma infâmia, uma indignidade imperdoável!... mas Deus me é testemunha, que uma cruel fatalidade a isso me levou. Senhores, o que esse homem diz, é verdade. Eu sou... uma escrava!... O rosto da cativa cobriu-se de lividez cadavérica, como lírio ceifado pendeu-lhe a fronte sobre o seio, e o donoso corpo desabou como bela estátua de mármore, que o furacão arranca do pedestal, e teria rojado pela terra, se os braços de Álvaro e de Miguel não tivessem prontamente acudido para amparar-lhe a queda.

- Uma escrava!... - estas palavras, soluçadas no peito de Isaura como o estertor do arranco extremo, murmuradas de boca em boca pela multidão estupefata, ecoaram largo tempo pelos vastos salões, como o rugir sinistro das lufadas da noite pela grenha de fúnebre arvoredo.





Os capítulos deste livro