A Escrava Isaura - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 3 / 185

O tom velado e melancólico da cantiga parecia gemido sufocado de uma alma solitária e sofredora.

Era essa a única voz que quebrava o silêncio da vasta e tranquila vivenda. Por fora tudo parecia escutá-la em místico e profundo recolhimento.

As coplas, que cantava, diziam assim:

Desde o berço respirando Os ares da escravidão, Como semente lançada Em terra de maldição, A vida passo chorando Minha triste condição.

Os meus braços estão presos, A ninguém posso abraçar, Nem meus lábios, nem meus olhos Não podem de amor falar; Deu-me Deus um coração Somente para penar.

Ao ar livre das campinas Seu perfume exala a flor; Canta a aura em liberdade

Do bosque o alado cantor; Só para a pobre cativa Não há canções, nem amor.

Cala-te, pobre cativa; Teus queixumes crimes são; E uma afronta esse canto, Que exprime tua aflição. A vida não te pertence, Não é teu coração.

As notas sentidas e maviosas daquele cantar escapando pelas janelas abertas e ecoando ao longe em redor, dão vontade de conhecer a sereia que tão lindamente canta. Se não é sereia, somente um anjo pode cantar assim.

Subamos os degraus, que conduzem ao alpendre, todo engrinaldado de viçosos festões e lindas flores, que serve de vestíbulo ao edifício. Entremos sem cerimônia. Logo à direita do corredor encontramos aberta uma larga porta, que dá entrada à sala de recepção, vasta e luxuosamente mobiliada. Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as bastas madeixas ainda mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas linhas, que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise.





Os capítulos deste livro