A Escrava Isaura - Cap. 9: Capítulo 9 Pág. 66 / 185

- O que o senhor acaba de dizer me horroriza. Como se pode esquecer e abandonar ao desprezo uma mulher tão amante e carinhosa, tão cheia de encantos e virtudes, como sinhá Malvina? Meu senhor, perdoe-me se lhe falo com franqueza; abandonar uma mulher bonita, fiel e virtuosa por amor de uma pobre escrava, seria a mais feia das ingratidões.

A tão severa e esmagadora exprobração, Leôncio sentiu revoltar-se o seu orgulho.

- Escrava insolente! - bradou cheio de cólera. - Que eu suporte sem irritar-me os teus desdéns e repulsas, ainda vá: mas repreensões!... com quem pensas tu que falas?...

- Perdão! senhor!... exclamou Isaura aterrada e arrependida das palavras que lhe tinham escapado.

- E, entretanto, se te mostrasses mais branda comigo... mas não, é muito aviltar-me diante de uma escrava; que necessidade tenho eu de pedir aquilo que de direito me pertence? Lembra-te, escrava ingrata e rebelde, que em corpo e alma me pertences, a mim só e a mais ninguém. És propriedade minha; um vaso, que tenho entre as minhas mãos e que posso usar dele ou despedaçá-lo a meu sabor,

- Pode despedaçá-lo, meu senhor; bem o sei; mas, por piedade, não queira usar dele para fins impuros e vergonhosos. A escrava também tem coração, e não é dado ao senhor querer governar os seus afetos.

- Afetos!... quem fala aqui em afetos?! Podes acaso dispor deles?...

- Não, por certo, meu senhor; o coração é livre; ninguém pode escravizá-lo, nem o próprio dono.

- Todo o teu ser é escravo; teu coração obedecerá, e se não cedes de bom grado, tenho por mim o direito e a força... mas para quê? para te possuir não vale a pena empregar esses meios extremos. Os instintos do teu coração são rasteiros e abjetos como a tua condição; para te satisfazer far-te-ei mulher do mais vil, do mais hediondo de meus negros.





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