A Origem da Tragédia - Cap. 18: Capítulo 18 Pág. 102 / 164

Se agora alguém se põe a provar, até convencer, que por este caminho direto é impossível atingir os antípodas, quem quererá continuar a trabalhar nas profundezas antigas, a não ser que se contente em achar pedras preciosas ou descobrir leis da Natureza. É por esta razão que Lessing, o mais honesto homem teórico, ousou confessar que se interessava mais na procura da verdade, do que na própria verdade, com que se descobriu o segredo fundamental da ciência, para o espanto e para desgosto dos cientistas. É verdade, porém, que ao lado deste conhecimento isolado, como um excesso de honestidade, e mesmo de petulância, se encontra uma profunda representação ilusória, que veio ao mundo, em primeiro lugar, na pessoa de Sócrates — aquela crença inquebrantável, de que o pensamento, no fio condutor da causalidade, atinja os mais profundos abismos do ser, e que o pensar não somente se ache capacitado de reconhecer o ser, mas mesmo de corrigi-lo. Esta ilusão metafísica elevada é adicionada à ciência como um instinto e guia-a sempre de novo aos seus limites, nos quais ela deve transformar em arte, que é, propriamente dito, o fim deste mecanismo.

Olhemos agora, com o facho desta ideia, para Sócrates. Ele se nos apresenta como sendo o primeiro que, em virtude daquele instinto da sabedoria, sabia não somente viver, mas também, — o que é bem mais — morrer. É por isso que a imagem do Sócrates moribundo representa, como o homem isento do temor da morte pelo saber e pela razão, o brasão que, colocado sobre a porta de entrada à Ciência, lembra a todos o destino desta, i. é., fazer compreensível a existência, dando com isto uma aparência de justificação da mesma, para o que, caso não bastarem as razões, também deve servir o mito, que eu apontei agora mesmo como consequência necessária, e mesmo como propósito da Ciência.





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