A Origem da Tragédia - Cap. 2: Capítulo 2 Pág. 12 / 164

O mundo, em cada instante a conseguida salvação de Deus, como a sempre variável, a eternamente nova visão daquele que mais sofre, do mais contraditório, que só se sabe redimir na aparência. Esta metafísica do artista, toda ela, pode chamar-se um espírito que um dia defenderá, aconteça o que acontecer, contra a significação e interpretação morais da existência. Aqui se manifesta, quem sabe se pela primeira vez, um pessimismo “além do Bem e do Mal”, aqui fala e se formula aquela “perversidade de caráter” contra a qual não se cansou Schopenhauer de lançar, de antemão, as suas piores maldições, — uma filosofia que se atreve a colocar a própria moral no mundo das aparências, de degradá-la. E não somente entre as “aparências” (no sentido do terminus technicus ideal) como também entre as “ilusões”; com aparência, imaginação, engano, interpretação, acomodação. Talvez se possa calcular da melhor maneira a profundidade desta inclinação imoral do cauteloso e hostil silêncio com que é tratado, no livro todo, o cristianismo — o cristianismo como a mais extravagante desfiguração do tema moral que até o momento tem ouvido a humanidade. Em verdade não há maior contradição para a interpretação e justificação puramente estéticas do mundo, como é ensinada neste livro, do que a doutrina cristã, que é e quer ser somente moral, e que, com suas medidas absolutas, como, por exemplo, com sua veracidade de Deus, exila a arte, toda a arte para o reino da mentira, isto é, nega, maldiz e condena.





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