A Origem da Tragédia - Cap. 24: Capítulo 24 Pág. 141 / 164

A tragédia coloca um exemplo elevado entre a validez universal de sua música e o ouvinte capacitado de com­preen­dê-la dio­ni­sia­ca­mente, — o mito, — e desperta naquele a aparência da música ser nada mais do que um elevadíssimo meio de representação para a vivificação do mundo plástico do mito. Confiando nesta nobre ilusão, pode ela, agora, movimentar os seus membros para a execução da dança ditirâmbica e entregar-se, descuidada, a um sentimento entusiástico de liberdade, sem o qual não poderia regalar-se como música em si, isto é, sem aquela ilusão. O mito nos resguarda da música, assim como lhe dá, por outro lado, a maior liberdade. Por isso, pagando a prenda, empresta a música ao mito trágico uma importância tão enérgica e convincente como, sem aquela ajuda, nunca poderia ter sido alcançada pela palavra e pela imagem. O ouvinte trágico, principalmente sente, por meio dela, aquele pressentimento seguro do prazer mais elevado, que é atingido por um caminho que atravessa ruína e negação, de modo a julgar ouvir distintamente o abismo mais profundo de todas as cousas.

Se consegui dar a esta re­pre­sen­ta­ção difícil, com as últimas frases, uma expressão somente temporária, que apenas a poucos se torna imediatamente compreensível, então não posso deixar de, também nesta parte, excitar os meus amigos para uma outra prova e de pedir-lhes que se preparem, num só exemplo de nossa experiência conjunta, para a compreensão do pensamento integral. Neste exemplo não me posso referir àqueles que aproveitam as imagens dos acontecimentos cênicos, as palavras e afeições das pessoas que tomam parte na ação, para, com esta ajuda, se aproximarem do sentimento musical, pois todos estes não entendem a música como língua materna e, apesar desta ajuda, não penetram senão nas antessalas da perceção musical, sem jamais poderem tocar os santuários íntimos desta; alguns destes, como por exemplo Gervinus, não alcançam nem aquelas antessalas.





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