A Origem da Tragédia - Cap. 27: Capítulo 27 Pág. 160 / 164

O mito trágico, na parte em que pertence à Arte, toma também parte naquela vontade de transfiguração metafísica da arte em geral; o que é, porém, transfigurado, quando apresenta o mundo das aparências sob a imagem do herói que sofre? Não a “realidade” deste mundo de aparências, porque ele nos diz: “Vede! Olhai cuidadosamente! É esta a vossa vida! Este é o ponteiro no relógio de vossa existência!”

E é esta a vida que nos mostra o mito, para transfigurá-la ante nosso olhar? Se não, em que está o prazer estético com que também nós olhamos para tais imagens? Pergunto pelo prazer estético e sei muito bem que muitas de tais imagens podem produzir um deleite moral, seja sob forma da compaixão ou de um triunfo moral. Aquele, porém, que quiser derivar os efeitos do trágico somente destas fontes morais, como se fez durante muito tempo na estética, que não creia ter feito, com isto, algo para a arte, que, antes de mais nada, deve exigir pureza em seus domínios. A primeira exigência para a explicação do mito trágico consiste em procurar o prazer, que é próprio dele, na esfera puramente estética, sem passar ao domínio da compaixão, do medo, do sublime-moral. Como pode excitar o feio e o desarmonioso, conteúdo do mito trágico, um prazer estético?

Aqui torna-se necessário entrarmos com impulso ousado numa metafísica da arte, repetindo a frase anterior, de que a existência e o mundo somente parecem ser justificados como fenômenos estéticos, sentido no qual justamente o mito trágico nos deve convencer de que mesmo o feio e o desarmonioso representam um jogo artístico, que a vontade, na eterna plenitude de seu prazer, joga consigo mesmo.





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