A Origem da Tragédia - Cap. 27: Capítulo 27 Pág. 161 / 164

Este fenômeno primitivo, dificilmente compreensível, da arte dionisíaca, torna-se compreensível unicamente em trajeto direto, entendido imediatamente na significação maravilhosa da dissonância musical; assim como, em geral, só a música sabe dar, colocada paralela ao mundo, uma ideia do que deve ser entendido sob “justificação do mundo como fenômeno estético”. O prazer produzido pelo mito trágico, tem pátria idêntica à sensação prazenteira dada pela dissonância da música. O dionisíaco, com seu prazer primitivo, percebido mesmo na dor, é o regaço comum, que produziu tanto a música como o mito trágico.

Não se terá facilitado, em virtude de nos valermos da ajuda da relação musical da dissonância, aquele problema difícil do efeito trágico? Pois agora entendemos o que significa, na tragédia, querer ver e ansiar-se, ao mesmo tempo, para muito além daquilo que vê; estado que, no tocante à dissonância empregada artisticamente, deveríamos caracterizar da mesma forma, isto é, que queremos ouvir, ansiando-nos, ao mesmo tempo, para muito além daquilo que ouvimos. Aquela tendência ao infinito, o bater de asas do anseio, no maior prazer da realidade claramente percebida, lembram-nos que devemos reconhecer em ambos os estados um fenômeno dionisíaco, que sempre e sempre nos revela a. construção e destruição facílima do mundo individual como emanação de algum prazer primitivo, de maneira semelhante à comparação, feita por Heráclito — o Obscuro, da força criadora do Universo com a criança que, brincando, coloca pedras aqui e acolá, constrói montões de areia, derrubando-as em seguida.

Para avaliar bem a capacidade dionisíaca de um povo, deveríamos pensar não só na música desse povo, mas também, e com igual necessidade, no mito trágico deste, como testemunha segunda daquela capacidade.





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