A Origem da Tragédia - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 21 / 164

E não são só as imagens agradáveis e alegres que experimenta em si com aquela compreensão ilimitada; também o grave, melancólico, triste, sombrio, os repentinos impedimentos, as imposições do acaso, as esperanças angustiosas; enfim, toda a “divina comédia” da vida com o inferno, passam por ele, não só como um jogo de sombras — pois ele vive e sofre com estas cenas — e mesmo assim não sem aquele pensamento, passageiro na aparência; e talvez haja quem se lembre, como eu também me recordo, de ter, de permeio com os perigos e sustos do sonho, exclamando para si encorajadoramente: “É um sonho! Quero continuar a sonhá-lo!” Assim como também dizem existirem pessoas capazes de continuar a causalidade de um mesmo sonho por três e mais noites consecutivas. Factos que atestam claramente que o nosso ser interior, o fundamento comum de todos nós, recebe o sonho como necessidade prazenteira, e com profunda alegria.

Esta necessidade prazenteira do conhecimento do sonho foi exprimida, da mesma forma, pelos gregos mediante o seu Apolo, como deus de todas as formas criativas e, ao mesmo tempo, o deus-adivinho. Ele que, segundo a sua raiz, é o “Brilhante”, a divindade da luz, domina outrossim o belo brilho do mundo-fantasia interior. A verdade excelsa, a perfeição destes estados em contraposição à realidade cotidiana, inteligível em partes, assim como a consciência profunda da natureza, que sana e auxilia em sono e sonho e, ao mesmo tempo, a analogia simbólica da capacidade de adivinhar, e, em geral, de todas as artes, pelas quais se faz a vida possível e digna de ser vivida.





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