A Origem da Tragédia - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 22 / 164

Mas mesmo aquela tênue linha, que a representação sonhada não deve atravessar, para não parecer patológica pois, em caso contrário, nos enganaria a aparência como verdade nua e crua, não deve faltar a imagem do Apolo: aquela limitação medida, livre de sentimentos mais selvagens, aquela tranquilidade sábia do deus-escultor.

Seu olhar deve ser “radiante”, correspondente à sua origem, também quando irado se deve refletir nele o brilho formoso. E assim valeria para Apolo, num sentido excêntrico, aquilo que diz Schopenhauer do homem preso no véu de Maia, Mundo como Vontade e Representação, I Volume: “Como no mar tormentoso, que, limitado por todas as partes, eleva e abaixa com bramidos montanhas de água, está num barco o marinheiro confiando na frágil embarcação, assim se situa, num mundo de torturas, tranquilo o indivíduo apoiado no véu e confiando no principium individuationis”. Sim, poder-se-ia dizer de Apolo que nele recebeu a confiança inabalável naquele “principium” a sua mais excelsa expressão, e deseja-se mesmo designar Apolo como o magnífico quadro divino do principii individuationis, de cujo gosto e olhar falariam para nós todo o desejo e sabedoria da “aparência”, inclusive a sua beleza.

No mesmo capítulo descreveu-nos Schopenhauer o tremendo espanto que se apodera do homem quando ele, repentinamente, se engana nas formas de conhecimento do fenômeno, no qual o princípio da razão, em alguma de suas representações, parece sofrer uma exceção. Quando juntamos a este espanto o êxtase agradabilíssimo que no mesmo romper do principii individuationis brota do mais íntimo do homem, mais ainda, da natureza, então lançamos um olhar ao ser do Dionisíaco, que mais ainda se aproxima de nós pela analogia da embriaguez.





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