A Origem da Tragédia - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 55 / 164

Da mesma maneira creio, se sentiu anulado o homem culto grego, em presença do coro satírico; e isto é o primeiro efeito da tragédia dionisíaca, que o estado e a sociedade, os abismos em geral entre homem e homem, cedam a um potentíssimo sentimento de unidade, o qual reconduz ao coração da Natureza. O consolo metafísico, com o qual, — como já deixei indicado atrás, — nos despede toda a verdadeira tragédia, que a vida no fundo das cousas, apesar de toda a mutação dos fenômenos, é indestrutivelmente alegre e potente; este consolo aparece com clareza como coro dos sátiros, como coro de seres naturais, que vivem por detrás de qualquer civilização e que, apesar das mudanças das gerações e da história dos povos, continuam sendo sempre os mesmos.

Com este coro se consola o heleno profundo, o único igualmente apto para as dores mais suaves e mais cruéis, que com olhar enérgico fitou o terrível impulso de destruição do que se chama história mundial, da mesma forma como fitou a crueldade da natureza, encontrando-se em perigo de ansiar por uma negação budista da vontade. A Arte o salva, e pela Arte se lhe salva a vida.

O êxtase do estado dionisíaco, com sua destruição das barreiras e limites comuns da existência, contém em verdade, durante sua duração, um elemento letárgico, em que vem a submergir todo o experimentado, pessoalmente, em tempos idos. Assim se separa pelo abismo do passado o mundo da verdade cotidiana e da verdade dionisíaca. Logo, porém, que aquela verdade cotidiana se nos separa como tal, uma disposição ascética, negativa, da vontade é o fruto destas situações.





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