A Origem da Tragédia - Cap. 12: Capítulo 12 Pág. 69 / 164

O artista titânico acreditava obstinadamente poder criar homens e, pelo menos, poder destruir deuses e isto por sua sabedoria superior que, porém, era forçado a expiar no sofrimento, eterno. O sublime “saber” do grande gênio que, mesmo com dor eterna, é pago mui exiguamente, o orgulho áspero do artista — é isto o que representa o conteúdo e a alma da poesia esquiléica, enquanto que Sófocles entoa, preludiando, no Édipo a canção vitoriosa do santo. Mas também com a interpretação que Ésquilo deu ao mito, não foi medida a pasmosa profundeza do terror; o desejo de ser do artista, a alegria do labor artístico que se opõe a toda desgraça é antes uma luminosa imagem de nuvem e céu; que se reflete em um lago de tristeza. A lenda de Prometeu é uma propriedade primitiva de toda a comunidade popular ariana e um documento para a disposição destes no trágico e ao meditativo; não é mesmo improvável que este mito tenha a mesma importância artística para o ser ariano, que tem o mito do pecado de Adão para o semita, e que entre ambos os mitos exista um grau de parentesco como entre irmão e irmã. A pressuposição daquele mito de Prometeu é o valor excessivo, que a humanidade primitiva atribui ao fogo como sendo o verdadeiro paladino de qualquer cultura que desponta. O fato, porém, é que o homem governa livremente este fogo, e que não o recebe somente como uma dádiva celeste, como raio inflamável ou incêndio solar. Isto parecia a tais contemplativos, homens-primitivos, um ultraje, um roubo à natureza divina. Assim, apresenta-nos desde já o primeiro problema filosófico uma oposição melindrosamente insolúvel entre homem e Deus e coloca-a como um bloco de pedra no limiar de toda a cultura. O melhor e o mais excelso, de que pode participar a humanidade ela o consegue por um ultraje, sendo obrigada a arcar com todas as suas consequências, isto é, com todo o dilúvio de sofrimentos e desgostos com que as divindades têm de afligir o gênero humano, que nobremente se eleva.




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