A Mulher de Trinta Anos - Cap. 1: Primeiros erros Pág. 44 / 205

Não somente os doces tesouros de sua alma permaneciam ignorados, como nunca conseguira fazer-se compreender pelo seu marido, nem mesmo nas coisas mais comezinhas. No momento em que a faculdade de amar se desenvolvia nela mais forte e ativa, o amor permitido, o amor conjugal extinguia-se em meio a graves sofrimentos físicos e morais. Ademais, tinha pelo marido essa compaixão vizinha do desprezo, que destrói com o tempo todos os sentimentos. Enfim, se as conversas com alguns amigos, se os exemplos ou se certas aventuras da alta sociedade não lhe tivessem mostrado que o amor pode causar imensa felicidade, seus desgostos ter-lhe-iam feito adivinhar as alegrias íntimas e puras que devem unir almas fraternais. No quadro que a memória lhe traçava do passado, desenhava-se o rosto cândido de Artur cada dia mais puro e mais belo, mas rapidamente, pois não ousava demorar-se nessa lembrança. O amor silencioso e tímido do jovem inglês era o único acontecimento que, depois do casamento, lhe havia deixado alguns vestígios suaves no coração sombrio e solitário. Talvez todos os desenganos, todos os desejos frustrados que, gradualmente, entristeciam o espírito de Júlia remontassem, por um capricho natural da imaginação, a esse homem, cujos modos, sentimentos e caráter pareciam oferecer tanta semelhança com os seus. Todavia, esse pensamento tinha sempre a aparência de um capricho, de um sonho. Após esse sonho impossível, que morria sempre num suspiro, Júlia despertava mais infeliz e sentia mais suas dores latentes quando as ha via adormecido sob as asas de uma felicidade imaginária. Às vezes seus queixumes assumiam um caráter de loucura e de audácia, queria obter prazeres a todo custo; porém, mais freqüentemente ainda, era presa de um terror estúpido, escutava sem compreender, ou concebia pensamentos tão vagos, tão indecisos, que não encontraria palavras para os traduzir.




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