A Mulher de Trinta Anos - Cap. 1: Primeiros erros Pág. 54 / 205

Perdera a estima de si mesma, amaldiçoava o casamento, desejaria ter morrido; e, sem um grito dado pela filha, ter-se-ia precipitado da janela para a rua. O senhor d’Aiglemont dormia serenamente junto dela, sem ser despertado pelas ardentes lágrimas que caíam sobre ele. No dia seguinte, Júlia soube mostrar-se alegre. Encontrou forças para mostrar-se feliz e ocultar não já a sua melancolia, porém um invencível horror. Desde esse dia, deixou de se considerar uma mulher irrepreensível. Não tinha ela mentido a si mesma? Desde então, não era capaz de dissimular, e não podia mais tarde ostentar assombrosa perícia nos delitos conjugais? Seu casamento era a causa dessa perversidade a priori que não se exercia ainda sobre coisa alguma. Todavia, já tinha perguntado a si mesma por que havia de resistir a um amante adorado, quando se entregava, a despeito do seu coração e do voto da natureza, a um marido que já não amava. Todas as faltas e crimes têm, talvez, princípio num raciocínio errado ou em algum excesso de egoísmo. A sociedade só pode existir pelos sacrifícios individuais que as leis exigem. Aceitar-lhe as vantagens não é obrigar-se a manter as condições que a fazem subsistir? Os desgraçados sem pão, obrigados a respeitar a propriedade alheia, não são mais dignos de lástima do que as mulheres feridas nos votos e na delicadeza dos seus sentimentos.

Alguns dias depois dessa cena, cujos segredos ficaram sepultados no leito conjugal, o senhor d’Aiglemont apresentou lorde Grenvilie à sua mulher. Júlia recebeu Artur com uma polidez fria que fazia honra à sua dissimulação. Impôs silêncio ao coração, velou seu olhar, tornou a voz firme, e pôde assim conservar-se dona do seu futuro. E depois de ter reconhecido por esses meios, inatos por assim





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