A Mulher de Trinta Anos - Cap. 2: Sofrimentos desconhecidos Pág. 88 / 205

- Então, senhora marquesa - disse o ancião -, pensou um pouco no conjunto dos sofrimentos humanos? Ergueu os olhos para o céu? Observou essa imensidade de mundos que, reduzindo nossa importância, esmagando nossas vaidades, diminui nossas dores?...

- Não, senhor replicou Júlia. - As leis sociais pesam-me demasiado sobre o coração e o dilaceram muito fortemente para que eu possa elevar-me até os céus. Mas as leis talvez não sejam ainda assim tão cruéis como os costumes do mundo! Oh!, o mundo!

- Nós lhes devemos, senhora, obediência: a lei é a palavra e os costumes são os atos da sociedade.

- Obedecer à sociedade?... - replicou a marquesa, mostrando-se horrorizada. - E daí, senhor, que provêm todos os males. Deus não fez nenhuma só lei para a nossa desgraça; porém, os homens, reunindo se, falsearam sua obra. Nós, as mulheres, somos mais maltratadas pela civilização do que fomos pela natureza. Esta impõe-nos penas físicas que os homens não suavizaram, e a civilização desenvolveu sentimentos que eles enganam incessantemente. A natureza sufoca os seres fracos, os homens condenam-nos a viver para lhes oferecer uma constante desgraça. O casamento, instituição em que hoje se funda a sociedade, faz-nos sentir todo o seu peso; para o homem, a liberdade; para as mulheres, os deveres. Nós lhes devemos toda a nossa vida, eles devem-nos apenas raros instantes. Enfim, o homem escolhe, e nós nos submetemos cegamente. Oh, senhor, ao senhor posso confiar tudo. Pois bem, o casamento, tal como hoje se efetua, afigura-se-me uma prostituição legal. Daí provieram todos os meus sofrimentos. Mas entre tantas desgraças fatalmente ligadas a quem não as compreende, só eu devo guardar silêncio! Fui a própria autora do mal, ao ter desejado esse casamento.





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