A Mulher de Trinta Anos - Cap. 2: Sofrimentos desconhecidos Pág. 89 / 205

Calou-se, chorou amargamente e depois prosseguiu:

- Nesta miséria profunda, no meio deste oceano de dor, tinha encontrado um porto de abrigo, onde pousava os pés, onde sofria em sossego; um furacão levou tudo. Eis-me só, sem apoio, demasiado fraca contra as tempestades.

- Nunca somos fracos quando Deus está conosco - disse o padre. - De resto, se não tem afeições que a prendam ao mundo, não terá deveres por cumprir?

- Sempre os deveres! - exclamou a marquesa com impaciência. - Mas onde estão para mim os sentimentos que nos dão a força de os cumprir? Senhor, nada por nada ou nada para nada é uma das leis mais justas da natureza moral e física. O senhor quereria que essas árvores produzissem suas folhagens sem a seiva que as faz brotar? A alma também tem a sua seiva! Em mim a seiva secou na fonte.

- Não lhe falarei dos sentimentos religiosos que engendram a resignação - tornou o padre -; mas a maternidade, senhora marquesa, não é...?

--Senhor, com o senhor serei franca! Não posso sê-lo doravante com ninguém; estou condenada à falsidade; o mundo exige contínuas mentiras e, sob pena de opróbrio, ordena-nos que obedeçamos às suas convenções. Há duas maternidades, senhor. Noutro tempo, eu ignorava tais distinções; hoje conheço-as. Sou mãe apenas em parte, mais valera que não o fosse. Helena não é dele. Oh!, não estremeça! Saint-Lange é um abismo, onde se afundaram muitos sentimentos falsos, de onde se projetaram sinistras luzes e onde desmoronaram os frágeis edifícios das leis antinaturais. Tenho uma filha, isso basta; sou mãe, assim o quer a lei. Porém, o senhor, que possui uma alma tão delicadamente compassiva, talvez compreenda os gritos de uma pobre mulher que não deixou penetrar no seu coração nenhum sentimento factício.





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