A Decadência da Mentira - Cap. 1: Capítulo 1 Pág. 25 / 42

Nós tentamos melhorar as condições da raça com bom ar, livre luz do sol, água benta, e horrorosas construções simples para melhor moradia das classes baixas. Mas essas coisas apenas produzem saúde, não produzem beleza. Para isso a Arte é necessária, e os verdadeiros discípulos do grande artista não são seus imitadores-de-estúdio, mas aqueles que se tornam como suas obras de arte, sejam elas de plástico como na época dos Gregos, ou pictóricas como nos tempos modernos; numa palavra, a Vida é o melhor da Arte, sua única pupila.

Assim como é com as artes visuais, é também com a literatura. A mais óbvia e mais vulgar forma na qual isso se mostra é no caso dos tolos garotos que, depois de lerem as aventuras de Jack Sheppard ou Dick Turpim, saqueiam as tendas de infelizes vendedoras de maçã, arrombam lojas de doce à noite, e assustam senhores que voltam para casa da cidade, saltando em sua direção nas ruas do subúrbio, com máscaras escuras e revólveres descarregados. Esse interessante fenômeno, que sempre ocorre após o aparecimento de uma nova edição de qualquer um dos livros a que aludi, é geralmente atribuído à influência da literatura na imaginação. Mas isso é um erro. A imaginação é essencialmente criativa, e sempre busca uma nova forma. O garoto ladrão é simplesmente o resultado inevitável do instinto imitativo da Vida. Ele é Fato, ocupado, como o Fato geralmente é, tentando reproduzir a Ficção, e o que vemos nele é repetido numa escala estendida ao topo da vida. Schopenhauer analisou o pessimismo que caracteriza o pensamento moderno, mas Hamlet o inventou. O mundo se tornou triste porque um fantoche foi melancolia uma vez.





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