Vi claramente o destino que me estava reservado e alegrei-me com o incidente oportuno que me permitira escapar. Mais um passo e o mundo nunca mais me veria. E a morte evitada a tempo era precisamente daquelas que eu considerara absurda e fabulesca nas histórias que se contavam da Inquisição. Às vítimas da sua tirania só restava a escolha entre a morte com as suas terríveis agonias físicas ou a morte com as suas mais horríveis torturas morais. Fora-me destinada a última. O longo sofrimento desequilibrara-me os nervos a pontos de tremer ao próprio som da minha voz e de me ter transformado na vítima indicada para a espécie de tortura que me esperava.
Com os membros todos a tremer recuei até à parede a apalpar caminho, decidido a morrer aí de preferência a arriscar-me aos terrores dos poços com que a minha imaginação povoava agora a cela. Fora outro o meu estado de espírito e teria tido a coragem necessária para acabar imediatamente com a minha miséria mergulhando num desses abismos; mas sentia-me agora o maior dos covardes.