E a ferida que Gregório tinha no dorso parecia abrir-se de novo quando a mãe e a irmã, depois de meterem o pai na cama, deixavam os seus trabalhos no local e se sentavam, com a cara encostada uma à outra. A mãe costumava então dizer, apontando para o quarto de Gregório:
- Fecha a porta, Grete.
E lá ficava ele novamente mergulhado na escuridão, enquanto na sala ao lado as duas mulheres misturavam as lágrimas ou, quem sabe, se deixavam ficar à mesa, de olhos enxutos, a contemplar o vazio.
De dia ou de noite, Gregório mal dormia. Muitas vezes assaltava-o a ideia de que, ao tornar a abrir-se a porta, voltaria a tomar a seu cargo os assuntos da família, como sempre fizera; depois deste longo intervalo, vinham-lhe mais uma vez ao pensamento as figuras do patrão e do chefe de escritório, dos caixeiros-viajantes e dos aprendizes, do estúpido do porteiro, de dois ou três amigos empregados noutras firmas, de uma criada de quarto de um dos hotéis da província, uma recordação, doce e fugaz, de uma caixeira de uma loja de chapéus que cortejara com ardor, mas demasiado lentamente - todas lhe vinham à mente, juntamente com estranhos ou pessoas que tinha esquecido completamente. Mas nenhuma delas podia ajudá-lo a ele nem à família, pois não havia maneira de contactar com elas, pelo que se sentiu feliz quando se desvaneceram. Outras vezes não estava com disposição para preocupar-se com a família e apenas sentia raiva por nada se ralarem com ele e, embora não tivesse ideias assentes sobre o que lhe agradaria comer, arquitetava planos de assaltar a despensa, para se apoderar da comida que, no fim de contas, lhe cabia, apesar de não ter fome.