Simplesmente, não tinha erguido a cabeça com cuidado suficiente e batera com ela; virou-a e esfregou-a no tapete, de dor e irritação.
- Alguma coisa caiu ali dentro - disse o chefe de escritório na sala contígua do lado esquerdo. Gregório tentou supor no seu íntimo que um dia poderia acontecer ao chefe de escritório qualquer coisa como a que hoje lhe acontecera a ele; ninguém podia negar que era possível. Como em brusca resposta a esta suposição, o chefe de escritório deu alguns passos firmes na sala ao lado, fazendo ranger as botas de couro envernizado. Do quarto da direita, a irmã segredava para informá-lo da situação:
- Gregório, está aqui o chefe de escritório.
Eu sei, murmurou Gregório, de si para si; mas não ousou erguer a voz o suficiente para a irmã o ouvir.
- Gregório - disse então o pai, do quarto à esquerda -, está aqui o chefe de escritório e quer saber porque é que não apanhou o primeiro comboio. Não sabemos o que lhe responder. Além disso, ele quer falar contigo pessoalmente. Abre essa porta, faz-me o favor. Com certeza não vai reparar na desarrumação do quarto.
- Bom dia, Senhor Samsa, saudava agora amistosamente o chefe de escritório.
- Ele não está bem - disse a mãe ao visitante, ao mesmo tempo que o pai falava ainda através da porta, - ele não está bem, senhor, pode acreditar. Se assim não fosse, ele alguma vez ia perder um comboio! O rapaz não pensa senão no emprego.
Quase me zango com a mania que ele tem de nunca sair à noite; há oito dias que está em casa e não houve uma única noite que não ficasse em casa. Senta-se ali à mesa, muito sossegado, a ler o jornal ou a consultar horários de comboios. O único divertimento dele é talhar madeira. Passou duas ou três noites a cortar uma moldurazinha de madeira; o senhor ficaria admirado se visse como ela é bonita.