a minha parentela! para que consentiu que eu o provasse?
A este tempo entrou a bebida a fazer o seu efeito, e começou o escudeiro a desaguar-se por ambos os canais com tanta pressa, que a esteira de junco, em que de novo se tinha deitado, e a manta, nunca mais serviram. Suava e tressuava com tais paroxismos e acidentes, que não só ele mas todos pensaram ser aquela a última da sua vida.
Durou-lhe a tormenta quase duas horas, acabadas as quais não ficou como seu amo, mas tão moído e quebrantado, que mal se podia ter; D. Quixote, que, segundo se disse, se sentia aliviado e são, quis imediatamente partir-se a buscar aventuras, por lhe parecer que todo o tempo que ali se demorava era roubado ao mundo e aos necessitados do seu amparo; e mais, com a confiança que lhe dava agora o seu bálsamo.
Forçado deste desejo, aparelhou ele mesmo ao Rocinante, albardou o jumento do escudeiro e ajudou-o a vestir-se e montar. Pôs-se a cavalo, e, chegando a um canto da venda, apoderou-se duma chuçazita que ali estava para lhe servir de lança.
Olhavam para ele todos quantos se achavam na venda, que passavam de vinte pessoas; considerava-o não menos a filha do vendeiro, e ele também não tirava dela os olhos; de quando em quando arrojava um suspiro, que parecia ser arrancado do fundo das entranhas, supondo todos que seria da dor que sentia nas costelas; pelo menos assim o cuidavam aqueles que o tinham visto emplastrar a noite dantes.
Logo que estiveram a cavalo, posto D. Quixote à porta da venda, chamou pelo dono da casa, e com voz mui repousada e grave lhe disse:
— Muitas e mui grandes, senhor alcaide, são as mercês que neste vosso castelo hei recebido; e declaro-me em grande obrigação de agradecido para todos os dias de minha vida.