As vozes que dava o mísero manteado foram tantas, que chegaram aos ouvidos do amo, o qual, detendo-se a escutá-las, supôs que alguma grande aventura lhe vinha, até que reconheceu claramente ser o seu escudeiro quem gritava; e voltando as rédeas, arrancando a custo um galope, tornou para a venda. Achando-a fechada, rodeou-a à procura de alguma entrada.
Mal era chegado às paredes do pátio, que pouco altas eram, quando viu o desalmado divertimento que ao seu escudeiro se estava fazendo. Viu-o subir e descer pelos ares com tanta graça e presteza, que para mim tenho desataria a rir, se a raiva lho consentira. Fez quanto pôde para subir do cavalo ao espigão do muro; mas tão moído e quebrado estava, que nem apear-se pôde; e assim, de cima do cavalo começou a vomitar tantos doestos e impropérios aos que lhe manteavam o Sancho, que não é possível acertar a escrevê-los; mas nem por isso eles interrompiam as risadas e a obra, nem o voador Sancho cessava das suas queixas, mescladas ora com ameaças, ora com súplicas; mas tudo era por demais; nem lhe aproveitou enquanto de puro cansados o não deixaram.
Trouxeram-lhe o burro; e, subindo-o para cima dele, o embrulharam com o gabão. A compassiva de Maritornes, vendo-o tão estafado, pareceu-lhe ser bem socorrê-lo com uma caneca de água, e trouxe-lha do poço por ser mais fresca. Recebeu-lha Sancho, e, levando-a à boca, deteve-se aos gritos que o amo lhe dava, dizendo:
— Filho Sancho, não bebas água, filho, não bebas, olha que morres; aqui está o santíssimo bálsamo; vês — (e mostrava-lhe a almotolia) — com duas gotas que bebas disto, pões-te bom sem falta nenhuma.
A estes brados volveu Sancho a vista de revés, e disse com outros ainda maiores:
— Já porventura se esqueceu Vossa Mercê de que não sou cavaleiro? ou quer que me acabem de sair as entranhas que me ficaram desta noite? guarde o seu remédio com todos os diabos, e deixe-me cá.