— Como podes tu, Sancho — disse D. Quixote — ver onde está essa linha, nem onde está essa boca, ou essa nuca de que falas, se tamanho é o escuro, que nem estrelinha se descobre em todo o céu?
— Assim é — disse Sancho — mas ao medo sobejam olhos; vê as coisas debaixo da terra, quanto mais as do céu lá por cima; mas basta o bom discurso para se entender que daqui ao dia já falta pouco.
— Falte o que faltar — respondeu D. Quixote — nem se há-de dizer por mim agora, nem nunca, que lágrimas e rogos me apartaram de fazer o que devia na qualidade de cavaleiro; pelo que te rogo, Sancho, que te cales, que Deus, que me pôs no coração acometer agora esta tão nunca vista e tão pavorosa aventura, lá terá cuidado de olhar por meu salvamento, e de consolar a tua tristeza. O que hás-de fazer é apertar as silhas a Rocinante, e ficar-te aqui, que eu depressa voltarei vivo ou morto.
Vendo pois Sancho a resolução última do amo, e quão pouco aproveitaram com ele as suas lágrimas, conselhos e rogos, determinou valer-se da sua indústria, e fazê-lo esperar até ao dia, se pudesse; e assim, enquanto apertava as silhas ao cavalo, sorrateiramente, e sem ser sentido, prendeu com o cabresto do seu asno ambas as mãos de Rocinante, por modo que D. Quixote, quando quis partir, não o pôde, porque o cavalo se não podia mover senão aos saltos.
Vendo Sancho Pança o bom êxito da sua maranha, disse:
— Vede, senhor, como o céu, comovido das minhas lágrimas e orações, determinou não poder mover-se o Rocinante? se quereis ateimar a esporeá-lo e bater-lhe, será ofender a fortuna, e escoicinhar, como dizem, contra o aguilhão.
Desesperava-se com isso D. Quixote; e, por mais que metia as pernas à cavalgadura, menos a fazia andar; e, sem acabar