Estranho caso! saiu logo a defendê-la, como se ela fora sua verdadeira e natural senhora; tal o tinham posto os seus excomungados livros.
Digo pois, que, estando o Cardênio já alienado, e ouvindo-se tratar de embusteiro e de velhaco, com outros doestos semelhantes, pareceu-lhe mal a zombaria, levantou um calhau, que achou a jeito, e deu com ele pelos peitos a D. Quixote com tanta força, que o virou de costas.
Sancho Pança, vendo ao amo tão mal parado, arremeteu ao doido de punho fechado; o Roto recebeu-o de modo que o estendeu logo em terra com a primeira punhada; saltou-lhe para cima, e lhe amolgou sofrivelmente as costelas. O cabreiro que o quis defender, não correu perigo menor; e Cardênio, vendo-os a todos três estendidos e moídos, deixou-os, e se foi com airoso sossego embrenhar na montanha. Levantou-se Sancho, e com a raiva com que estava de ver-se tão sovado sem razão, acudiu a vingar-se do cabreiro, dizendo-lhe que ele é que tinha a culpa por não os ter avisado de que o homem tinha ataques de fúria, pois, se o soubessem, teriam estado de sobreaviso para se resguardarem.
Respondeu o cabreiro que já lho tinha dito, e se ele o não tinha ouvido, não era culpa sua.
Replicou Sancho Pança; o cabreiro triplicou, e chegaram, dize tu, direi eu, a agarrarem-se às barbas um do outro, e socarem-se a ponto que, se D. Quixote, levantando-se, os não apartara e pusera em paz, se fariam pedaços de parte a parte.
Dizia Sancho na luta com o cabreiro:
— Deixe-me Vossa Mercê, senhor cavaleiro da Triste Figura, que neste, que é vilão como eu, e não está armado cavaleiro, posso eu muito a meu salvo satisfazer-me do agravo que me fez, pelejando com ele à unha como homem honrado.
— Assim é — dizia D. Quixote — mas eu é que sei que ele nenhuma culpa tem do sucedido.