— Azougue e uma legião de demônios, que isso é gente que para andar e fazer andar quanto lhes parece não admite companhia. Mas, deixando isto, que te parece a ti que eu devo fazer agora, determinando-me a minha senhora que a vá ver? Bem vejo que estou obrigado a cumprir o seu preceito; mas não menos me corre obrigação de satisfazer ao que prometi à Princesa que ai vem connosco. A lei da cavalaria me obriga a satisfazer à minha palavra, antes que ao meu gosto. Por uma parte estou morrendo por ver a minha senhora; pela outra, está por mim bradando a glória que hei-de alcançar nesta nova empresa, e a solene promessa que já fiz. O que tenciono fazer é caminhar depressa, e chegar cedo onde está este gigante, usurpador do reino de Micomicão, cortar-lhe logo a cabeça, e pôr a Princesa pacificamente no seu trono; e sem perda de tempo eu retrocederei para ir ver a luz que os meus sentidos alumia. Tais desculpas lhe darei, que me há-de aprovar a tardança, pois verá que tudo redunda em aumento da sua fama, porque toda a que eu tenho alcançado, alcanço, e alcançarei pelas armas em toda a vida, só me provém do favor que ela me dá, e de eu lhe pertencer.
— Valha-me Deus! — disse Sancho — como Vossa Mercê está aleijado desses cascos! pois diga-me, senhor: pensa realmente em fazer este caminho escusado e deixar-se de aproveitar um tão rico e esclarecido casamento como este, que lhe traz por dote um reino, que em minha boa verdade já ouvi dizer que tem mais de vinte mil léguas em redondo, que é abundantíssimo de todas as coisas que são necessárias para a vida humana, e que é maior que Portugal e Castela juntos? Cale-se, pelo amor de Deus, e tenha vergonha do que aí disse; tome o meu conselho, e perdoe-me, e case-se logo no primeiro lugar onde houver pároco; e, quando não, aí está o nosso licenciado, que o fará como umas pratas.